ÍNDIOS XOKÓ/SERGIPE
APRESENTAÇÃO
Ao longo desses anos o povo indígena Xokó vem construindo um mundo com maturidade organização e prazer. Mesmo assim, fomos chamados de índios atrasados e incapazes. Essa violência nos doeu muito e lutamos uma batalha que valeu muitas vidas, povos inteiros foram destruídos. Grandes homens e mulheres morreram por acreditar em viver enquanto povo livre e com jeito próprio de entender e viver a vida. Tudo isso nos tornou experiente, pois, a dor machuca, mas também nos ensina.
Agradecemos a THYDEWAS, pela oportunidade do Povo Xokó está contanto sua história, mesmo que seja de forma tão resumida, como também agradecemos ao conselheiro antropólogo da Comunidade Indígena Xokó, o professor Luiz Alberto dos Santos e o Assessor Marcos Paulo Carvalho Lima, pelo apoio e colaboração.
CAIÇARA
Aqui moravam apenas 22 famílias, 22 casas, e uma casa para festas e serviu também de escola, um campo de futebol, 5 pés de mangueira, 3 pés de tamarindo, vários barcos pequenos que ajudavam muito nosso povo na pesca e na confecção das cerâmicas quando era usado para transporte nas feiras livres de Pão de Açúcar e outras feiras em Sergipe.
Aqui foi um dos pontos que está marcado em nossa memória. Foi quando nós ainda crianças assistimos de pé sem entender nada a expulsão dos nossos pais, naquele 09 de setembro de 1979, aqui neste local era rio e do outro lado era uma ilha, a Ilha de São Pedro. Foi preciso usar barco para fazer a travessia.
Se passaram apenas 33 anos da luta, e estamos aqui no mesmo lugar lembrando daquele 09 de setembro de 1979. Onde era um rio, hoje encontramos uma vegetação rasteira coberta pelo calombi.
A ilha está hoje interligada a terra firme da caiçara, existindo apenas um córrego estreito e raso, onde carro e moto passa.
As 22 casas foram derrubadas pelos fazendeiros. Destruíram tudo que foram construído pelo nosso povo. A Caiçara hoje só o nome, a lagoa que durante vários anos foi fonte de sobrevivência do nosso povo, na colheita do arroz e na pesca do peixe. Hoje passando em volta dela, não parece ser a lagoa da Caiçara, seca e cheia de mato.
Dói muito em ver tudo isso destruído pela força do homem.
Caiçara, você não é mais a mesma, seus filhos choram com o que fizeram contigo. São poucos que aguentam oque fizeram com você, As Lagoas do Carrinho, Pão de Açúcar, e as que ficam no Belém, Lagoa Grande, Lagoa Funda, Lagoa do Capote, Riacho Fundo. Hoje só estão em nossas lembranças.
ILHA DE SÃO PEDRO
A Ilha de São Pedro hoje, aldeia indígena do povo Xokó. No ano de 79 quando aqui chegamos, expulsos da Caiçara, encontramos apenas uma casa de taipa, a Igreja, as ruinas de um convento e o cemitério construído no final do século XVII, inicio do século XVIII, pelos capuchinhos e jesuítas. A estrada que ligava a Ilha à Caiçara era apenas um trio onde os animais circulavam a mata cercavam a igreja, vários pé de tamarindo, juazeiro, quixabeira, serviram como moradia para o nosso povo, com a chegada do povo indígena Xokó, essa característica foi mudando. Tinha um rebanho bovino e grande criação de bode dos fazendeiros. Nós aos poucos fomos transformando a ilha em uma área produtiva, com a construção das rosas, caieira de carvão fonte de renda para a nossa sobrevivência com algumas cheias do rio ainda dava para pegar peixe.
Alguns anos depois tudo isso foi mudando o avanço da tecnologia, mudou muito as características da nossa aldeia, foram construídas várias casas de taipas, de 1995 pra cá, houve uma mudança radical. Saímos das casas de taipas para casas de alvenaria.
Construção do Colégio Estadual D. José Brandão de Castro, (ensino médio), Posto de Saúde, como médico, dentista, enfermeira, agente de saúde, etc. Posto da Funai, reforma e restauração da igreja, Centro de Referencia Assistência Social(CRAS). Água encanada em todas as casas, Energia elétrica, banheiros.
Hoje nós índios Xokó, tomamos banho em casa(chuveiro), as mulheres lavam pratos, panelas e roupas nos fundos de suas casas. Aquela tradição de tomar banho no rio aos poucos estar acabando, os cestos de pano lavado no rio, também está acabando.
Aquela procissão diária com pote na cabeça acabou, beber água no pote acabou. Hoje todas as casas tem geladeira, bebemos água super gelada. O rádio que ao longo de nossa existência foi um companheiro inseparável, também acabou. Hoje a televisão, antena parabólica, internet, DVD, celular e novela.
A Ilha de São Pedro, não é mais a mesma, mudou muito, queremos lembrar que apesar dessas mudanças nós não perdemos nossos costumes tradicionais, exemplo, mensalmente frequentamos o Ouricuri, ritual sagrado do Povo Indígena Xokó.
Outras mudanças com certeza vão surgindo, vão chegar com sentido de melhorar qualidade de vida em nossa comunidade.
A MORTE DO RIO SÃO FRANCISCO
Ao longo do seu leito ajudou muitas famílias no sustento do “pão” de cada dia, quando enchia os lagos, estava garantido a colheita do arroz, do milho, do feijão e o peixe, foram anos, após anos de barriga cheia e muita riqueza. O povo indígena Xokó conhece muito essa história desse rio. Há 20 ou 30 anos atrás com uma simples vara, um anzol, com a água acima do joelho e um bolo de farinha, ficava poucas hora pescando, logo, logo, 2, 3 quilos de peixes, se pegava em qualquer lugar. Principalmente quando estava cheio, e o peixe era de qualidade: chiria, crumatá, mandim, capadim, piranha, niquim, piau, etc. O arroz que o nosso povo comia era tirado da própria terra. Pilado no pilão, foram momentos de felicidade.
Um rio que chegava a ter uma profundidade de 30 a 40 metros. Navios nos anos 70 navegavam. Mas tudo isso tinha dia e hora para acabar, foi quando os doutores formados nas grandes universidades brasileiras ou nos estrangeiros começaram as construções de usinas hidrelétricas em seu leito com isso o rio foi perdendo suas forças e aquelas cheias foram aos poucos se acabando, com isso, todos os ribeirinhos que dependia do peixe e do arroz para sobreviver, tiveram que buscar outros meios para garantir “o pão” e criar a família, pois, o rio já não é mais o mesmo, principalmente quando foi inaugurado a Usina Hidroelétrica de Xingó nos anos 90. A partir daí foi decretada de uma vez por toda a morte desse rio.
Onde era lagoa hoje é um matagal (matas), onde passava um navio hoje um homem atravessa o Rio de Sergipe para Alagoas. Onde se pescava com uma linha de 50 a 60 metros, hoje se vê bancos de areias.
Para nós Xokó comer um peixe só se for comprado, porque para pegar, é mesmo que ganhar na mega-sena.
Esse é o legado deixado pelos engenheiros para as futuras gerações: Três Marias, Usina do Cavalo, Paulo Afonso I,II , III e IV, Sobradinho, Xingó. Imagine construir a Usina Hidroelétrica das Traíras em Pão de Açúcar/AL, muita energia elétrica para eles e miséria para o Povo Indígena Xokó.
FUNAI
O povo indígena Xokó teve a experiência de conhecer e trabalhar com a FUNAI no ano de 1979, foi quando a gente ainda morava na Caiçara recebemos a visita do Chefe do Posto Indígena Kariri-Xokó, de Porto Real do Colégio, Sr. Santana e da antropóloga da FUNAI – Brasília Delvair Mellati. Para nós foi um momento de alegria, tendo em vista, nós nunca tínhamos ouvido falar em FUNAI. O que é pior, não sabia o que ela fazia, que tipo de trabalho realizava. Para nós tudo era novo, tudo era novidade naquele momento, ela passou a imagem que era a salvadora de toda a situação vivida por nós. Com o passar do tempo fomos percebendo que ela não era o que tínhamos imaginado. Por exemplo, em outubro de 1979, o CIMI (Conselho Indígena Missionário) realiza na ilha de São Pedro a 13ª Assembleia indígena dos povos do nordeste. Por sua vez a FUNAI manda para essa assembleia o advogado Dr. Romildo, coronel Hélcio chefe do SNI com o objetivo de proibir a realização da assembleia, como não conseguiu, tentou enganar os dez membro do conselho tribal xokó, quando o Dr. Romildo elaborou um documento que pedia que o conselho tribal assinasse desistindo da terra imemorial caiçara. Com isso a FUNAI resolveria o conflito atual da Ilha de São Pedro. O conselho não assinou, e a assembleia foi realizada com sucesso. Daí pra cá, não houve nenhum avanço, a FUNAI cada vez mais foi se distanciando do povo Xokó. Instalou o Posto Indígena para funcionar foi preciso a comunidade ceder uma sala da escola, colocou um rádio amador, comprou um barco a motor, hoje este barco está encostado, abandonado. Participou em junho de 1984 da assinatura da documentação da ilha, no Palácio do Governo de Sergipe. Construiu uma casa nova com o objetivo de instalar o Posto da FUNAI na Aldeia com o representante da FUNAI morando aqui. Foi construída a casa, porém, não concluída a mesma. O posto não funciona, principalmente agora com o processo de restruturação e com a criação da CTL(Coordenação Técnica Local).
Se o povo Xokó dependesse da FUNAI para reconquistar seu território nunca isso teria acontecido. Na conquista da Caiçara, foi a Procuradoria Geral da República em Sergipe, que entrou com uma ação de Reintegração de Posse, na Justiça Federal. Nessa ação o Procurador da República, Evaldo Campos, solicitava do Juiz Federal que intimasse a FUNAI através de uma Carta Precatória para que a mesma pudesse fazer a demarcação da Caiçara. Por conta dessa ação o Povo Indígena Xokó, tem seu território demarcado em 1988, e desde maio de 1993 não temos nenhum tipo de problema com relação a posse da terra.
EDUCAÇÃO – CAIÇARA
Quando agente morava na Caiçara final dos anos 70, a educação era precária. Para começar não tinha um local próprio para funcionar. Com isso a escola funcionava nas casas. A professora da época ainda está viva, com os seus oitenta anos. Sua formação era apenas o primeiro grau. Os jovens naquela época aprendiam com facilidade o ABC e tabuada com detalhe, soletrando.
A escola era do município de Porto da Folha. Tendo como nome de um tal Dr. Etelvino Tavares, um político de origem da cidade de Itabaiana.
Todos os jovens daquela época aprenderam a ler e escrever com a nossa querida professora, Enoi Bezzera Lima, que foi uma pioneira no que tange à educação na Caiçara.
Talvez uma frustração para os jovens de 30 anos atrás, tenha sido não ter um prédio próprio que pudesse funcionar como escola, lembramos como fosse hoje, das 08:00hs as 12:00hs a procissão de alunos, cada um carregando sua própria cadeira, para sentar. Merenda isso não tinha, havia um compromisso do aluno para aprender e da professora para ensinar.
A educação hoje
Quando chegamos à Ilha de São Pedro, em setembro de 1979, não foi possível continuar funcionando devido a uma serie de problemas, falta de estrutura, não tinha uma casa e o conflito tomava conta do tempo do nosso povo. Mas no início dos anos 80, nos foi possível pensar em uma nova escola. Foi quando contamos com o apoio dos professores da Universidade Federal de Sergipe, Prof. Luiz Alberto dos Santos, Profa. Beatriz Góis Dantas, Prof. Fernando Lins. Ao visitar nossa aldeia, ficaram preocupados com o número de alunos sem professor. Decidiram “bancar” a contratação de um professor, que foi contratado pela Comissão Pró-Índio de Sergipe. Já em 1984, conseguimos junto ao Governo do Estado, João Alves Filho, a construção do prédio. Houve uma mudança radical, ou seja, os professores já tinha um grau de formação maior, segundo grau, o nome já não era mais Dr. Etelvino e sim Dom José Brandão de Castro, Bispo de Propriá, que nos ajudou muito. Mesmo assim, a prefeitura de Porto da Folha e o Estado, tentaram colocar uma placa com o nome do político, e nós não aceitamos, inclusive a inauguração por parte do governo não aconteceu, mas o Povo Xokó inaugurou com a dança do Toré.
Nossa escola hoje é um Colégio Estadual, do pré-escolar ao ensino médio. Tem uma diretora, um coordenador. Todos os professores são do Estado(formados). Temos uma biblioteca, sala de informática, acesso a internet. Um prédio novo. A educação escolar indígena na aldeia está indo muito bem, nossos professores recebem cursos continuados, pelos professores técnicos da Secretaria de Estado da Educação. Precisa melhorar muito na proposta de uma escola diferenciada e essa diferença ainda não chegou.
SAÚDE-CAIÇARA
É complicado falar dessa questão quando a gente morava na Caiçara, quando falamos assim queremos dizer que estamos falando apenas da saúde de 30 anos atrás, estamos falando desde os nossos pais, avós, etc. Ouvindo os jovens e adultos a resposta é uma só, o que é isso, eu nunca ouvir falar em saúde, na nossa época se fala em doença: “há! fulano está doente! O que é? eu não sei! se ele piora tem que levar para Pão de Açúcar.” João da Farmácia era o dono de farmácia que o nosso povo confiava. Ele não era médico. Mas a prática dava a ele a condição de confiança. Ir ao médico só depois de passar por ele. E ele dizia vá ao hospital, procura o Dr. Djalma, médico famoso do hospital.
Chegar até a cidade era outra dificuldade , a viagem era pelo rio São Francisco, em uma canoa pequena que pegava 4 a 5 pessoas, a viagem custava em média duas horas, remando ou a pano (vela).
A mulher ganhar neném, quem fazia o parto era uma parteira local, as vezes ganhava neném dentro do barco, antes mesmo de chegar na cidade.
Raramente nosso povo adoecia.
Saúde na Ilha de São Pedro
Falar hoje sobre esse tema é lembrar como na Caiçara existe uma disparidade enorme. Para começar temos um posto de saúde equipado, temos médicos, dentistas, enfermeira, agente de saúde, barco que leva os doentes até o hospital de Pão de Açúcar/AL. Lembramos quando falamos do tempo que lavava na Caiçara, duas horas era o tempo, hoje fazemos o mesmo percurso em 10 minutos. Como os tempos mudaram. O posto de saúde foi construído pelo Governo do Estado de Sergipe. A manutenção e os funcionários são da FUNASA. Quando a questão é grave, a FUNASA tem disponibilizado carro para transportar o paciente até Maceió ou Aracaju.
Também tratamos as doenças com nossas ervas medicinais, as variedades são grandes. Samba Caitá, Pau Cachorro, Quixabeira, Juazeiro, Jurema, Capim Santo, Cidreira, Mamoeiro, etc. Além de tudo isso ainda tem os programas de assistência à família indígena Xokó.
COMO VIVE OS XOKÓ HOJE
Fazendo uma comparação, quem são os índios Xokó hoje e os índios Xokó de ontem há uma distância muito grande. Quando a gente morava na Caiçara éramos apenas 22 famílias e 04 que moravam no Belém. 130 pessoas, trabalhando de “meia” para os fazendeiros ou seja, tudo que se produzia era dividido em 3×1 – 4×1 um para nós e 3 ou 4 para os fazendeiros sem fazer nada, o que não era dividido a confecção da cerâmica. já aqui na Ilha, a nossa comunidade é dona das terras Ilha de São Pedro e Caiçara, pouco mais de 4000hectares de terra com uma população estimada em quase 400 índios na aldeia vivendo do que tiramos da terra, e com alguns funcionários do Município, Estado, FUNASA e FUNAI. Temos transporte próprio, quase 15 motos, mais de 10 barcos a motor, 02 associações comunitárias e 01 associação desportiva cultural que vai cuidar e incentivar o esporte na aldeia. Temos um time de futebol, Associação São Pedro Futebol Clube, Campeão do 1º Campeonato Municipal de Porto da Folha, 01 vez vice-campeão e 01 vez 3ª colocado do mesmo campeonato.
Criamos na aldeia, gado, bode, porco, galinha, cavalo, jegue, etc. Ainda continuamos com o espírito de pescar. Mesmo sabendo que é em vão, mas faz parte da tradição indígena , o acesso à Ilha antes era pelo rio, agora pode ser também por terra. Como bem tombado pelo Governo do Estado de Sergipe, só a Igreja. O município construiu um CRAS(Centro de Referencia e Assistência Social), sede das associações, temos também telefones públicos, funciona as operadoras TIM e OI, rede de energia elétrica, água encanada, celulares, cemitério construído pelos Jesuítas, temos o terreiro (Ouricuri). Enfim de cada coisa do mundo civilizado, o povo indígena Xokó buscou um pouco, desde que não venha interferir a cultura tradicional.
A Associação das Mulheres Indígenas Xokó, foi contemplada recentemente com o projeto de corte e costura. Assim é o povo indígena Xokó, trabalhando com o objetivo de melhorar a qualidade de vida em nossa aldeia.
No dia 28 de junho, a Comunidade Indígena Xokó aprovou em reunião que nossa festa de setembro deste ano (2012) vai oferecer o Título de Cidadão Indígena Xokó, ao Governado do Estado de Sergipe, Marcelo Déda Chagas, ao professor antropólogo Luiz Alberto dos Santos, Dr. Evaldo Campos, Frei Enoque e Gimarcos Evangelista, Promotor de Justiça.